Ponderação
A anunciada reformulação da "rede de urgências" nacional insere-se numa lógica de racionalização de custos e melhoria dos serviços prestados. Até aqui entendo.
Entendo também os critérios objectivos: urgências que atendam menos de 150 pessoas por dia são encerradas.
O que não entendo é que isto esteja a ser feito sem base em projecções para o futuro.
Tomemos como exemplo o caso que melhor conheço, Montijo/Alcochete.
Actualmente, segundo dados divulgados pela comunicação social, as urgências do Hospital do Montijo atendem diariamente uma média de 130 pessoas. Assim, com base no tal critério objectivo, é uma das que vai encerrar.
Nunca lá fui, não conheço as instalações, equipamentos e valências, mas segundo percebi das notícias, o serviço tem todas as condições e nele foram feitos importantes investimentos nos últimos anos.
Quem conhece minimamente a zona Montijo / Alcochete (será que nenhum dos 11 peritos que elaboraram o plano para o Ministério da Saúde conhece?), sabe que se estão a construir inúmeros bairros residenciais novos, com centenas ou milhares de famílias a fixarem residência naquelas paragens. O ritmo de crescimento populacional é elevadíssimo, diria mesmo excessivo.
As alternativas apresentadas às urgências do hospital do Montijo são as de Almada ou do Barreiro. Longe, bastante longe, sobretudo se tomarmos em consideração que será necessário circular em vias congestionadas, por onde se processam a entrada e saída diárias de milhares de automóveis em Lisboa.
Daqui a dois, três ou quatro anos, as urgências do Montijo estarão, seguramente, a atender mais de 150 pessoas por dia. Faz sentido desmantelar-se agora o serviço, com base num critério objectivo que, em breve, com certeza já não se aplicará?
Creio que não. Fica o contributo para o debate público.
Etiquetas: Coisas sérias, El Ranys, Impostos, Políticas
6 ComentÁrios:
Pelos argumentos que apresentas, parece-me ser um caso a ponderar, sem dúvida.
O meu primeiro comentário é uma sugestão para que se reformule o início do post e a "reformolução" da "rede de urgências".
Porque o problema da rede de urgências também contém um problema de semântica, nomeadamente o de saber se as urgências atendidas (as do Montijo também) são iguais aquelas que vemos na série ER da TV ou são mais do tipo nacional - Oh Sôtor anteontem apareceu-me aqui esta manchinha que me tem estado a dar comichão...
Se calhar, pode muito bem haver um problema de atendimento médico geral no Montijo. De atendimento médico de urgência é que já não sei...
Caro a.teixeira,
Nada como um leitor atento. Reformulada a "reformolação" (agradeço a chamada de atenção), avancemos pelo seu comentário, que entendo neste sentido:
Os portugueses não sabem distinguir uma verdadera urgência médica de uma dor de cabeça. Recorrem aos serviços hospitalares de urgência com leviandade, por "dá cá aquela palha".
Dificultar o acesso a esses serviços, colocando-os longe (a uma hora ou mais de distância), resolve parte do problema, porque faz as pessoas pensar duas vezes.
É isto que quer dizer, suponho. E não deixa de ser verdade.
Só que, neste contexto, é um argumento extraordinário. Creio que nem Correia de Campos arriscaria enunciá-lo dessa forma.
Quanto à "desqualificação" das urgências atendidas, ela coloca-se em todo o país. Mas não me parece que este plano de encerramento de serviços de urgências tenha sido desenhado para resolver esse problema, que é de educação e mentalidade.
O que digo no post é há um critério objectivo (menos de 150 urgências diárias - reais ou imaginadas - encerra-se o serviço). Este critério objectivo deixará de se verificar, num prazo curtíssimo, na zona Montijo / Alcochete.
As suas considerações parecem-me demasiadamente subjectivas e perigosas. Porque, no meio de "falsas" urgências, há sempre urgências reais, vidas em jogo, não lhe parece?
Já agora: também corrigi, perdido no meio do texto,um "dirariamente" que por lá andava. Agora, na sua faustosa correcção ortográfica, exibe-se orgulhoso um "diariamente". Esta escapou-lhe, a.teixeira...
Numa determinada altura do seu texto, supõe o que eu queria dizer. Como, lamento dizê-lo, supôs mal, penso que concordará comigo que é dispensável refutar as suas conclusões baseadas na sua interpretação do que eu havia escrito. E explicar as minhas razões melhor.
Ao contrário de si, considero que os portugueses em geral sabem distinguir entre uma verdadeira urgência médica e uma dor de cabeça. Sabem é que não têm sítio onde se dirigir quando têm uma dor de cabeça, pelo menos com a mesma eficácia com que são tratados nas urgências.
Deixe-me dizer-lhe que montar e manter um serviço de urgência é bastante mais complexo e necessita de muito mais recursos do que um serviço de atendimento público. Foi por isso que evoquei o ER da TV, onde não aparece ninguém a queixar-se da manchinha-da-pele-que-lhe-apareceu-na-semana-passada-e-agora-faz-comichão…
É evidente que todas as 130 pessoas do Montijo devem ser atendidas. Mais do que isso, havendo um SNS, têm o direito de ser atendidas. Agora não sei é se a satisfação da grande maioria dessas pessoas passará necessariamente pela existência de um serviço que tem que funcionar 24 horas por dia com certos médicos especialistas continuamente de prevenção (cirurgia, imagiologia, análises…- aqui estou a falar de cor, porque não conheço as valências daquele hospital…).
Claro que há aqui um círculo vicioso que é muito difícil de romper mas muita da argumentação que tenho visto a propósito deste problema das urgências alimenta-se precisamente dele.
PS – Foi impressão minha ou fiquei com a impressão de que ficou contente por eu ter deixado escapar uma outra gralha do seu texto, que foi depois descoberta por si? Se assim for, vou-lhe dar mais uma alegria: tem mais uma gralha neste comentário, mas não lhe digo qual é, tem de a descobrir por si…
Começando pelo fim, a.teixeira. Não, não vou procurar a tal gralha do comentário. Gralhas há muitas. Corrijo-as quando as detecto ou se alguém as detecta e chama a atenção e, cumulativamente, se estiver para aí virado.
Não pratico muito o exercício caça-gralhas, na verdade.
Agora, a questão central.
Se me disser que os médicos e recursos das urgências vão ser reafectados, de forma a reforçar a assistência médica às populações locais, sou levado a concordar consigo.
Duvido é que isso aconteça. O que se vai passar é que os centros de saúde do Montijo e Alcochete vão continuar a ter os mesmos recursos e médicos e as populações, além de não verem a prestação de cuidados "regulares" de saúde do SNS aumentarem, ficam ainda sem o serviço de urgências, onde recorriam em caso de necessidade.
Dito de outro modo - depois de lidos os seus esclarecimentos, acho que vou acertar - o a.teixeira
acredita que os portugueses só recorrem aos serviços de urgências porque os cuidados primários de saúde falham. Concedo.
E em quê o encerramento do "último recurso" dos cuidados de saúde promovidos pelo SNS contribui para resolver essa situação?
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