Do referendo
Depois dos resultados do referendo sobre o aborto, queria deixar aqui umas considerações.
1) Sobre o seu carácter vinculativo; obviamente que o referendo não é vinculativo porque a abstenção excedeu 50%. Mas esse facto, apesar de ser óbvio do ponto de vista jurídico, não o é - de todo! - do ponto de vista político.
Os votos expressos há 8 anos e meio, no primeiro referendo, foram 31,5%. Hoje, constituiram 43,6%. Um aumento impressionante, sem dúvida, que reforça a legitimidade política do resultado. Mais ainda - supondo que 6,4% do eleitorado que se absteve aparecia nas urnas e votava todo no NÃO. O resultado prático deste exercício era o seguinte - o referendo passava a ser vinculativo (mais votantes que abstencionistas), sendo que o SIM continuava a ganhar! Ou seja, do ponto de vista político, é incontornável que o referendo é vinculativo.
2) Ainda sobre os valores enormes da abstenção; este foi o 3º referendo efectuado em Portugal e nenhum deles foi vinculativo. Temos duas hipóteses - ou entramos no discurso tuga ("ó inclemência! ó tragédia! que triste fado ser português, que povo é este que não vota nos referendos?!"), ou baixamos de vez a fasquia da exigência e encaramos estes referendos como eles são - não um instrumento de intervenção cívica que deveria, tendencialmente, ser vinculativo, mas apenas um instrumento de auscultação do eleitorado, não vinculativo, para temas especiais. Ou seja, se de cada vez que se faz um referendo se ouvem as carpideiras do costume a anunciar mais uma derrota da democracia, um dia destes a democracia, se não morre, começa a sentir-se mal. Este referendo constituiu mais uma vitória da democracia. E quem não votou, tivesse votado. Estar constantemente a apontar o dedo às instituiçoes políticas e aos partidos sempre que a abstenção dispara, não é sério. Nem é justo.
3) Na campanha que precedeu este referendo utilizaram-se argumentos estapafúrdios, tanto do lado do SIM como do lado do NÃO. Raciocínios elaboradíssimos, mesquinhos, burgessos, totós - houve de tudo. Contudo, a corrente que sempre me deixou mais estupefacto, pela fraca qualidade dos seus argumentos e pela filosofia que deixava transparecer, foi aquela que defendia que o referendo era desnecessário porque a Assembleia deveria legislar pelo SIM. Mais uma vez, do ponto de vista jurídico, essa opinião é inatacável. Do ponto de vista político, é uma totozice sem explicação.
4) O SIM ganhou. Finalmente. Espero que este assunto tenha acabado de vez.
Etiquetas: Aborto, Coisas sérias, Políticas, Rantas
3 ComentÁrios:
Até me sinto mal porque ao segundo comentário, e apesar de concordar com quase todas as observações e leituras que fazes, discordo contigo em dois pequenos pontos.
Na minha opinião não se devem diminuir os requisitos para o referendo se tornar vinculativo (50% parece-me a garantia mínima necessaria) e apesar de ser um bom sinal a diminuição da abstenção, os mais de 55% de abstencionistas ainda me parecem muito graves.
PS: "ó inclemência! ó tragédia! que triste fado ser português, que povo é este que não vota nos referendos?!"
Agradeço o teu comentário - ainda mais pelas pequenas discordâncias, até por que é discutindo que as ideias se consolidam, certo? Não tens nada que te sentir mal :-)
Quanto às discordâncias - eu também gostaria imenso que o pessoal votasse, que a abstenção fosse mínima, etc. Mas o facto é que não é, e temos de viver com esse facto. Ao invés de lamentarmos que os referendos não são vinculativos, porque não arranjar uma forma de o passarem a ser?
De qualquer modo, o carácter vinculativo, mais do que jurídico, é político. E este referendo - eventualmente mais até do que o outro, mas aí posso estar só a puxar a brasa à minha sardinha - foi 100% vinculativo. Estranho seria se uma vitória do SIM, com este Governo e com esta composição da AR, tropeçasse em 6,4% de abstenção...
Ah! E se não me engano, este não é o teu segundo comentário, é o terceiro ;D
Enviar um comentário
<< Home