quarta-feira, janeiro 24, 2007

Façamos um “suponhamos”.

Depois de uma noite de farra e copos, Ivanete e Melchior embrulham-se e dão uma queca. Pronto, está bem, são tão sexualmente compatíveis que repetem a dose mais duas ou três vezes. No entanto, Ivanete também manda quecas com outros gajos ao longo do período em que dura a sua “relação” com Melchior.
Passados largos meses, Ivanete tem uma filha. O “suponhamos” começa aqui: a criança nasce e Ivanete nada diz a Melchior, presumível pai, que fica na ignorância da sua paternidade. Três meses após o parto, Ivanete “cede” a filha a um casal que, farto de esperar pelo processo legal de adopção, decide fintar o sistema.
Nove meses decorridos após o parto, Melchior, informado de que Ivanete teve uma filha, realiza testes para que se determine a paternidade da criança, desde logo assegurando que, confirmando-se ser o pai, vai pedir a regulação do poder paternal.
Nem mais. Os resultados são inequívocos: Melchior é o pai e o casal que tem à sua guarda a criança disso tem conhecimento. Melchior inicia então, nos tribunais, uma luta pela guarda da sua filha. O casal, que por ela sente um enorme amor e que já a considera coisa sua, começa a rabear a justiça e as autoridades, furtando-se a todas as ordens para que entregue a menina ao verdadeiro pai. Nisto se passam os anos.
Finalmente, a coisa termina no seguinte: o Tribunal confirma que o poder paternal é atribuído, como deve, a Melchior. O caso surge na comunicação social e o povo alegra-se por, finalmente, um pai ter recuperado a sua filha. Pede a cabeça do vil casal que, durante tantos anos, sonegou esse direito. “No mínimo, seis anos de prisão” escuta-se nas ruas e cafés.

Ninguém falaria do amor que o casal deu à filha, ninguém iria argumentar que ela só conhece um pai e esse não é Melchior. Todos rejubilariam pelo facto de, após longos anos de espera e desespero, um pai conseguir recuperar a sua filha, de que criminosamente vivia afastado. Era, ou não era?

O que, na história de Melchior, difere da realidade é que, nesta, o pai biológico foi informado de que a filha ia nascer e seria sua. “Pois, e aí reside toda a diferença”, dirão os implacáveis justiceiros. “É um pulha, mandou umas quecas e depois fugiu às responsabilidade”, acrescentarão. “Por isso, merece ficar sem a filha. Os outros, o casal, exemplares e bonzinhos, deram à criança todo o amor que lhe foi negado pelo pai biológico”, sentenciarão.

Não compreender, permitir ou perdoar o arrependimento, não admitir que todos podemos cometer erros – no caso de Baltasar, o erro é grave e durou nove meses – é típico dos “infalíveis”. Gajos assim tipo João Gonçalves (não esquecendo que há outros "infalíveis", como o Papa, que advogam justamente esse perdão).

Um pai luta há quase quatro anos por poder beijar uma filha que, de início, fundamentadamente duvidou que fosse sua. Arrependeu-se, ainda em tempo, dessa fraqueza e manifestou-se decidido a assumir todas as responsabilidades que lhe eram exigíveis. Neste país de lamechices e de gente exemplar, ninguém parece querer dar valor a isto. O erro (o erro alheio, bem entendido) não é desculpável.

O Tribunal de Torres Novas decidiu da única forma que podia ter decidido (os seis anos de prisão são excessivos, sim, nisso eu concordo).

No meio de toda esta história, pobre criança. É a única inocente.

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1 ComentÁrios:

Blogger Rantas disse...

Essa alegria de que falas que a opinião pública sentiria está apenas na tua cabeça, caro Ranys.

Não sei se tens limitado as tuas leituras ao blog do João Pequeno.
Se algo do teu post pretende espelhar o que pensas ser a minha opinião sobre este assunto, parece-me que terei explicado muito mal o que penso sobre isto tudo. A diferença que referes é totalmente acessória, não tem nada a ver.
Quando dizes que «o Tribunal confirma que o poder paternal é atribuído, como deve, a Melchior», o que nos separa de todo é a segurança com que escreves "como deve". E porquê como deve, porra?! O sangue fala sempre mais alto, é isso?!

24 janeiro, 2007 19:56  

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