sexta-feira, janeiro 27, 2006

O Grande Pedagogo

E, abruptamente, o mais "florentino" dos intelectuais à portuguesa afirma que "os partidos políticos democráticos conhecem uma lenta, mas segura, dissolução".
Note-se que, segundo Pacheco Pereira, esta sua afirmação "deve ser lida com um grão de sal, e acima de tudo não deve ser tida como uma constatação de um facto" para, mais à frente no mesmo primeiro parágrafo dizer que ela "Não é um juízo de valor, é uma constatação de facto".
Desde logo, interrogo-me sobre o que é "ler com um grão de sal"... Deve toldar a vista, mas isso são pormenores. Fica-me, depois, a dúvida sobre as "constatações de facto", mas isso são minudências.
O que mais me surpreende é JPP aparentar só agora ter percebido o que está, desde há muito, a passar-se em termos de representatividade politica. Honra lhe seja feita, nunca pactuou com "santanices" nem semelhantes desmandos, mas ninguém duvida que o ex-maoísta sabe o que diz e, sobretudo, quando o diz. Com a vitória de Cavaco Silva, o homem que tem colunas nas revistas e jornais, aparece na televisão, domina a blogosfera e é uma "eminência parda" do regime gere magistralmente a sua "agenda" e os seus timings. JPP diz agora que "o velho modelo que combinava (nos partidos) a pedagogia cívica com máquina eleitoral já não existe".
É sabido que, a JPP, sempre agradou a parte da "pedagogia cívica", renegando a "máquina eleitoral". Agora, respaldado na vitória de Cavaco, o "grande pedagogo" volta a atacar. Se o seu contributo for determinate para a reformulação do "core" partidário, vem por bem.
Mas o problema, o exacto problema, é que creio que sempre desagradou a JPP a possibilidade de uma profunda reforma do sistema eleitoral, da criação de círculos uninominais, de dar "carta de alforria" à expressão daquilo que o próprio designa como "'Partes' da sociedade, das classes, dos grupos, dos interesses, das representações políticas e ideológicas".
Creio que JPP não combate o fim da exclusividade representativa dos partidos, pelo contrário, defende que os partidos devem reflectir e transformar-se para "engolir" essas pulsões sociais.
Porque isto da Democracia e da política não é coisa para o povo, demasiadamente estúpido para compreender o alcance profundo das coisas. Esta serena "revolução" é coisa de intelectuais, devidamente pensada e avaliada. Andamos a ouvir, ver e ler JPP há muitos anos. E nada tem mudado. Mas agora, com novo alento, o "perceptor" de Cavaco, o "grande pedagogo", está de volta, para nos dizer, pobres ignorantes, como é.

8 ComentÁrios:

Anonymous Anónimo disse...

Com "granus salis", rapaz, nunca imaginei que não soubesses isto.

Grande abraço,
ras

27 janeiro, 2006 14:14  
Anonymous Anónimo disse...

Compreendo que nao gostes do personagem, mas parece-me um pouco injusta a tua análise do que ele escreveu.

Pode ser ingenuidade minha mas nao vejo no seu post nem a soberba intelectual que referes nem uma defesa da 'exclusividade representativa dos partidos'.

Como tu dizes "Se o seu contributo for determinate para a reformulação do "core" partidário, vem por bem." e este é que é o debate que urge apadrinhar. E este apadrinhamento terá necessariamente de vir de dentro dos partidos.

27 janeiro, 2006 14:44  
Blogger El Ranys disse...

Caríssimo RAS,

cum granus salis: leitura perspicaz?
Confesso que não sabia (ou já não me lembrava), apesar da utilização jurídica da expressão.

Foi justamente o que tentei fazer.

Caríssimo Harpic,
Embora com desconforto, admito sempre a possibilidade de estar a ser injusto. Esta foi a reacção "à flor da pele" que o texto do JPP me desencadeou. Esperemos pelo prometido desenvolvimento do texto e, sobretudo, da ideia.

Abraço aos dois.

27 janeiro, 2006 15:13  
Blogger El Ranys disse...

A leitura perspicaz (cum granus - ou grano - salis) será utilizada no sentido de "com a devida limitação"...

27 janeiro, 2006 15:23  
Blogger obelix disse...

Este é um debate importante no futuro da democracia, em que está em jogo o equilíbrio entre a governabilidade e o acesso à capacidade de ser eleito. Tenho algumas dúvidas que os partidos em Portugal alguma vez tenham tido uma minimamente forte componente pedagógica (talvez com a excepção do CDS de Adriano Moreira e Lucas Pires), e mesmo noutras latitudes quase sempre foram fundamentalmente máquinas eleitorais. Ainda com o séc.XX com muito para dar, o estudo de Michaels demonstra bem a matriz de interesses de que os partidos são veículo.
Mas é o tal equilíbrio que está em jogo, e penso que a solução estará na capacidade de pôr os partidos a apresentarem os candidatos melhores, muito mais que no perigoso caminho anti, supra ou extrapartidário.
Posso estar enganado, mas julgo que Santana, independentemente do juízo que possa fazer sobre o personagem, teria muito mais hipóteses com uma candidatura individual (ou uninominal) do que teve no PSD, onde só chegou a líder e primeiro-ministro fruto de circunstâncias quase irrepetíveis, e com a oposição surda do corpo partidário.
A demagogia/populismo terá um terreno muito mais fértil em candidaturas auto-propostas (as vitórias de Isaltino, Fátima Felgueiras e Valentim aí estão para o provar), mas a capacidade de o eleitor responsbilizar a pessoa que directamente elege tem que ser obviamente reforçada.
A favor dos partidos temos ainda o argumento de que é no seu âmbito que se tratam os problemas com uma visão nacional, longe dos interesses paroquiais a que candidatos uninominais de círculos necessariamente restritos teriam de dar voz.
O problema é complexo, as soluções nunca serão óptimas, mas o primeiro passo é uma cultura de cidadania que passe pelo envolvimento de cada um de nós, não ficando como os velhos dos Marretas, só de fora a atirar bitaites.

27 janeiro, 2006 15:50  
Blogger Alex disse...

Bom post.
Ouço o JPP desde o "Flash back" da TSF, e admito que gosto de o ouvir. Todos o sabemos . É um gajo inteligente.
Compreendo o que ele quer dizer. Aliás, julgo que uma evidência dos resultados das Presidenciais o facto de os partidos não terem os eleitores cativos. Excepto o caso do PCP (e mesmo assim, gostaria de perceber melhor os resultados de Jerónimo) os partidos levaram porrada. Então o PS ficou todo esCAVACAdo ! Mas mesmo o PSD e o CDS (este então) foram indecentemente afastados da campanha do Cavaco.
Mas o quer dizer isto ? O que fazer com isto ? É a tal questão da representatividade. Mas a conclusão para mim é óbvia, os cidadãos deste país estão fartos dos partidos.
Círculos uninominais ? Partidos regionais ou de "interesses sectoriais" ?
Alteração da Lei Eleitoral ? Alteração da Constituição ? Regionalização ?
JUlgo, até porque me parece que se está a caminhar para aí, que o melhor sistema eleitoral é um sistema misto. Círculos uninominais e um círculo nacional.
Ficamos com um problema de partidos regionais.Mas parece -me que é o que mais facilmente garante governabilidade, estabilidade e representatividade.
Mas ficamos com o problema dos "partidos regionais, ou de personalidades" (concordo absolutamente com o Obélix acerca da questão Santana Lopes e também das candidaturas independentes às Autárquicas).
Os partidos regionais que a Constituição não permite. Aliás faz-me confusão aquelas alianças com o partido da Catalunha, ou o CSU na Alemanha. E quem não se lembra do quejo Limiano ?
Gostaria que Portugal tivesse discutido a Regionalização sem partidarite.
Afirmo aliás que, na minha opinião a grande reforma é a da Regionalização. Infelizmente perdemos tempo mas estou convencido que voltaremos a falar sobre a Descentralização ( que na minha opinião é de que se fala quando se fala de regionalização, que é a formalização da descentralização. Interrogo-me porque é que toda a gente é a favor da descentralização mas da regionalização já não. Gostaria de fazer um post sobre a regionalização, mas ainda tenho que me documentar...).

Nota : Obelix, não conheço o estudo do Michaels. Em relação à cultura de cidadania, é óbvia. É aliás a solução para todos os problemas...
Saúdinha

28 janeiro, 2006 18:04  
Blogger manolo disse...

A Democracia representativa não está em causa. O cerne da questão é esse exactamente, Obélix: apurar, seleccionar os melhores. O método misto, como diz Alex, e à semelhança da Alemanha, tem mais virtualidaes, já que tenderá a que os deputados não se limitem à sua fidelidade partidária, com tenham responsabilidades directas com os seus representados. A questão da Regionalização nunca foi seriamente pensada e discutida (aliás como quase tudo) em termos de longo prazo e o referendo não foi conclusivo (participação insuficiente). Sou a favor de decisões mais rápidas e por quem está de facto por dentro das questões. A regionalização serve este propósito. Estou inclinado para o sim, caso haja novo referendo.

29 janeiro, 2006 20:52  
Blogger obelix disse...

Estou completamente de acordo num ponto, como aliás já escrevi: o de um sistema misto, com o necessário respeito da proporcionalidade, e em que uma das melhores soluções me parece ser a de o eleitor escolher de listas propostas pelos partidos quais os representantes que quer eleger; este sistema permite, pelo menos teoricamente, apurar os melhores sem diminuír os partidos.
Completamente em desacordo noutro ponto: a regionalização como solução, ou sequer como caminho desejável. A necessidade de descentralizar, que julgo consensual, não tem (nem deve, na minha opinião) de passar por aí. Não sei mesmo, sem querer ser conspirativo, se os entraves à descentralização não são uma táctica dos lobbies regionalizadores para que esta apareça como a única solução.
Sem prejuízo dum futuro post sobre o tema, aduzo só alguns argumentos contra a Regionalização:
- Dificulta o planeamento central para um desenvolvimento equilibrado do País;
- Cria tensões inter-regiões onde elas não existem, podendo pôr em perigo a unidade nacional;
- Cria cliques de dirigentes regionais altamente perigosas;
- As regiões mais ricas e populosas terão muito maior capacidade reinvindicativa;
- A nossa dimensão física não as justifica (somos mais pequenos que muitas regiões europeias).
Mais há, assim como alguns a favor de menor peso. Ficam para núpcias futuras.

30 janeiro, 2006 12:44  

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