quinta-feira, outubro 26, 2006

Respeito pela vida

Vou ser, em breve, pai pela primeira vez. Eu e a minha mulher desejámos imensamente esta gravidez e a vida a que ela dará origem. O feto, cujo corpo vi nas ecografias, senti a mexer, com o qual falei, para o qual cantei, não é exactamente um feto. Já tem nome, quarto, roupa, escola. Já tem, sobretudo, um enorme amor à sua espera.
Faz-me, portanto, alguma confusão voltar a falar-se intensamente, neste preciso momento, de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
Por uma vez, e antes que o ruído se torne insuportável de parte a parte, quero dizer qual a minha opinião em relação a este assunto, ao qual só voltarei no momento de colocar uma cruz no referendo.
Entendo que gerar uma vida não pode ser um acto leviano. É simples – na maioria dos casos – engravidar. Toda a gente sabe como se faz. E presume-se que, hoje em dia, quase toda a gente sabe como evitar uma gravidez indesejada. Aí deve residir a tónica dos discursos morais: como evitar uma gravidez indesejada (sendo que o único método infalível parece ser a abstinência sexual, o que não é despiciendo, sobretudo para os discursos morais).
Mas acontece que, em mais casos do que seria natural e desejável, mulheres há que continuam a engravidar sem o terem desejado. “Tivessem cuidado”, “pensassem nisso antes”, dirão os mais afoitos. Pois é, mas elas continuam a engravidar. Algumas seguem em frente, têm o filho não desejado e, inclusivamente, as mais das vezes, talvez não se arrependam.
Mas, para outras, as que não têm nenhum projecto de vida que inclua um filho, ou MAIS um filho, a solução é, muitas vezes, a interrupção voluntária da gravidez. Cada caso destes é um caso, uma história pessoal, escrita com mais ou menos dose de drama.
O que não me compete a mim, seguramente, é apontar-lhes o dedo, chamar-lhes criminosas, assassinas, homicidas.
Porque, se assim o fizesse, e para ser coerente, teria de defender para a IVG moldura penal semelhante à aplicável ao homicídio. Ainda não vi ninguém – nem mesmo os mais acérrimos defensores do Não – a defender tal posição.
Para que fique claro: entendo que uma IVG até às dez semanas não é igual a homicídio. Logo, estamos a falar de tipos de “vida” diferentes. O homicídio atenta contra uma vida presente, actual, completa, “viva” (passe a redundância). A IVG interrompe um “projecto” de vida para a qual, provavelmente, nem sequer existe projecto algum.
As mulheres que recorrem à IVG – conheço algumas – não são melhores nem piores só por isso. Sei que nenhuma delas – das que conheço – é uma potencial homicida e que todas têm um enorme respeito pela vida humana. Muitas vezes, sobretudo, pela "hipótese de vida" que NÃO querem gerar em específicas circunstâncias. Criminosas? Acho que não.

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Sim, concordo.

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14 ComentÁrios:

Blogger Rantas disse...

Não acredito.

A tua filha já tem escola?!

26 outubro, 2006 15:09  
Blogger El Ranys disse...

Berçário, é o que ela tem. Inscrição em lista de espera!

Olha que não esperava que o primeiro comentário a esta posta fosse esse, até porque a posta não é sobre isso.

Convido-te, e aos demais, a comentarem aqui o tema da posta, para não misturar "alhos com bugalhos".

26 outubro, 2006 15:19  
Blogger Redus Maximus disse...

Oh Captain! My captain!

Sim, concordo.

26 outubro, 2006 18:43  
Anonymous Anónimo disse...

Realmente é incrível que crianças tão pequenas estejam, desde tão tenra idade, sujeitas a este numerus clausus...
Que solução, quando espera pela sua filha, acha que esta questão deveria ter?

26 outubro, 2006 19:31  
Blogger El Ranys disse...

Anónimo,
Pedir educadamente para não misturar as coisas não lhe chega?

Poderei abordar essa questão em futuro post. Nunca neste.

26 outubro, 2006 20:23  
Blogger Redus Maximus disse...

Estás aqui para falar do jogo não é?

27 outubro, 2006 10:13  
Blogger El Ranys disse...

Estou, nesta posta, a falar sobre o referendo ao aborto. Esse é o assunto abordado. A introdução serve para um enquadramento de circunstância, nada mais. Tu percebeste bem isso, e deixaste a tua posição sobre o assunto ("sim, concordo"). Outras pessoas não, e propõem-se discutir na caixa de comentários desta posta assuntos que se poderão discutir, com vantagem, em futuros posts.
Como facilmente se compreenderá, não quero discutir no mesmo sítio o referendo ao aborto e assuntos relacionados com a minha filha. Logo no meu primeiro comentário a esta posta, pedi educadamente que não misturassem alhos com bugalhos. O anónimo ou não leu, ou não percebeu, ou esteve a marimbar-se, revelando alguma falta de educação. Só isso.

27 outubro, 2006 10:56  
Blogger PSeven disse...

El Ranys,
Perfeitamente de acordo a ambos os níveis (o que deve ser discutido e a posição sobre a IVG). Mas posso torcer um pouco as regras para lhe dar os parabéns?

27 outubro, 2006 12:15  
Blogger Bart Simpson disse...

Tal como da primeira vez, votarei SIM.

27 outubro, 2006 12:30  
Blogger Papo-seco disse...

Basta ”olhar” para os riscos de vida/físicos que qualquer mulher corre, ao recorrer a um aborto, para perceber que nunca é uma opção leviana a decisão de “fazer um aborto”.

Não quero ir pelo lado da moralidade, a da mulher que decide fazer, porque essa parte já está resolvida, ponderada e confirmada que não existe outra opção. Quero dizer que quando ela o vai fazer, essa parte já passou e a decisão está tomada e ela vai-o fazer seja em condições seguras, seja em Espanha, seja num vão de escada. E o problema é precisamente esse, entre escolher se lhe devem ser dadas as condições ideais para o fazer, ou se a devemos sujeitar a correr riscos/castigos/culpas.

A questão moral (a outra moral dos moralistas de merda) é uma bandeira na falta de outras, é tempo de antena, é uma moral que quem a defende (estou convencido que em mais de 80 % dos casos) não a aplicariam a si próprios se se vissem numa situação de aperto.


PARABÉNS, pelo teu primeiro filho que aí vem. Eu tenho dois que adoro acima de tudo, e sou culpado por um aborto. Por isso, não me fodam

Desculpa a linguagem, mas foi assim ao correr da alma

27 outubro, 2006 13:07  
Blogger manolo disse...

El Ranys, de futuro evitas fazer "enquadramentos de circunstancia" :) Por acaso ouvi pela TSF a discussão no parlamento. Revejo-me quase exactamente no que foi defendido por Maria de Belém. Convictamente pelo sim. Embora compreenda que também alguns argumentos do não, que coloco ao nivel da consciencia individual.

27 outubro, 2006 21:54  
Blogger Alex disse...

Ganhaste o Euromilhões! De facto não há riqueza maior do que ter um filho. Desejo-te as maiores felicidades, à tua senhora e a M.
Quanto ao aborto como sabes sou a favor do sim. Ninguém faz aborto de Ânimo leve. Quem decide por essa via fica marcado. O valor da vida humana é ilimitado. Mas devemos pôr num lado o impedimento de um projecto de vida e do outro a destruição de vidas, de sofrimentos e, também de mortes.
Até às dez semanas o feto não tem consciência, não tem sentidos, julgo que é o ínicio de uma futura vida humana.
Esta questão é moral, pois a ciência não se põe de acordo quanto ao ínicio da vida humana.
Além da questão moral há a questão política. O aborto clandestino não pára e causa mortes ou doenças. E ainda a questão criminal. Julgo que é necessário tentar resolver este problema. E temos que ter médicos dispostos a fazê-lo. Não ponho em causa o direito de objecção de consciência, mas o Estado deve perguntar aos médicos quem não é e garantir esse "serviço" nos Hospitais Públicos. E quanto ao financiamento? Deverá ser completamente coberto pelo SNS?
Saúdinha

27 outubro, 2006 23:47  
Blogger Rantas disse...

O aborto é uma escolha individual, uma culpa que fica a pesar na consciência de cada um. Quem decide abortar, aborta. No matter what.

A liberalização do aborto (possibilidade de interromper uma gravidez até às 10 semans num Hospital público, sem perguntas), é uma questão de saúde pública. Impede abortos mal feitos, mortes, sofrimento.

A despenalização do aborto é uma questão de bom-senso. Já ninguém defende a prisão para as mulhres que abortam. Mas a lei permanece inalterada...

Eu voto SIM. Em consciência.

28 outubro, 2006 00:51  
Anonymous Anónimo disse...

«vida presente, actual, completa, “viva”» - era bom que explicasse o que falta desta lista às dez semanas, ou à uma.

28 outubro, 2006 12:44  

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