Revisão da Matéria - 1985
Disciplina e rigor são valores que prezo muito e que exijo para um Governo.
Nesse aspecto, até se poderia dizer que, num cenário de grande contenção (Governo do Bloco Central, numa das maiores crises que aconteceram nos tempos recentes), Mário Soares foi mais consequente (rigoroso, disciplinado, o que se queira...) do que Cavaco.
Bem sei que isto, dito assim nesta altura - quando já se consolidou e cristalizou a ideia de Soares como um bon-vivant baldas que passa férias nas costas de uma tartaruga e de Cavaco como o regedor de aldeia, de boas contas, que aponta tudo no seu livro de contabilista e descansa na sua vivenda Mariani- poderá parecer uma tolice completa, só para chatear. Até pode ser uma tolice, mas esclareço já que não é só para chatear.
Há que não esquecer o nosso passado: O governo do Bloco Central exigiu um enorme rigor, disciplina e coragem.
A situação era grave: foi isso aliás que obrigou os dois maiores partidos a coligarem-se, num verdadeiro pacto de regime como não havia memória até então nem se voltou a repetir desde aí. O ministro das Finanças desse governo até era mais ligado à área do PSD: o esforçado e sacrificado Ernâni Lopes. Foi a situação social explosiva que se gerou aí que motivou a agressão bárbara a Mário Soares na Marinha Grande, uns meses mais tarde.
Quando a situação melhorou, em 85, Cavaco Silva (ex-ministro das Finanças de Sá Carneiro, mais conhecido nesses tempos por Cavaco e Silva, lembram-se?, que andava a conspirar em grandes politiquices há meses com o seu amigo Eurico de Melo e outros) decidiu disputar o congresso da Figueira da Foz. Logo nessa altura montou o mito de anti-político que ainda o acompanha: foi à Figueira fazer a rodagem de um carro e, sem qualquer preparação nem pré-negociação nos bastidores, roubou o congresso nsa barbas de João Salgueiro. Está bem, abelha! E a gente ainda acredita no Pai Natal!
De seguida, aproveitando a melhoria do estado do País provocada pelas políticas amargas do governo de Mário Soares (que tiveram bons resultados, portanto!), rompeu o pacto de regime que tão necessário fora e obrigou a eleições antecipadas.
Ganhou-as, fazendo o papel de oposição regeneradora (quando o seu partido estivera no governo nos últimos 5 anos, creio...). O que sucedeu de seguida merece algum destaque - aliás, é estudado nas faculdades de Economia (pelo menos na minha era...) como exemplo claro de como os ciclos eleitorais regulam os ciclos económicos: estabeleceu uma política orçamental extremamente expansionista, com elevados gastos públicos, bons aumentos e, sobretudo, um grande deficit orçamental (nesses tempos podia-se...). Foi assim, conjugado com as políticas rigorosas (e mal-amadas) do governo anterior e com a aventura eanista do PRD, e apesar de não ser um político profissional (!), que ganhou duas maiorias absolutas consecutivas e foi Primeiro-Ministro s de Portugal. Sem dúvida um dos melhores que tivémos. Foi-o devido ao rigor? Enfim, é discutível. A conjuntura ajudou-o - como aliás ajudou Guterres, e foi madastra para Soares, Barroso, Flopes e, agora, Sócrates. Os fundos estruturais (resultantes da estratégia delineada por Soares de adesão à CEE, quando muitos falavam apenas na vocação atlantista e africanista de Portugal, há que relembrar) tiveram uma importância decisiva nisso.
O que mais retenho desses tempos é, além dos fundos e das auto-estradas, de uma grande arrogância auto-suficiente e de uma crispação agressiva, por vezes ofensiva, de Cavaco e dos seus ministros. Não é o rigor. Desculpem, posso ter má memória, mas é isso.
No fim do ciclo cavaquista, Cavaco ainda nos brindou com uma das manobras politiqueiras mais asquerosas de que me lembro: o TABU! Recorde-se o que fez Soares nas mesmas condições: informou o País que iria ser candidato a Presidente, e fez jogo limpo. E Cavaco? Também tinha a ambição de ser Presidente. Mas não foi capaz de assumir isso de uma forma transparente como Soares fez: em vez disso, enredou-se e atrapalhou-se em silêncios ensurdecedores.
Isso é esclarecedor: a ambição não é uma coisa má, mas na visão estreita de Cavaco, ela não pode ser nomeada. Os provincianos não gostam disso. Logo, apesar de ser ambicioso (e repito, ainda bem que o é), faz tudo para o esconder. Assim como o aspecto de "ser político". Alguém com o percurso dele não é político? Então é o quê?!
Nestas Eleições, escolheremos um Presidente. Um Presidente deve ter um perfil distinto de um Primeiro-Ministro. Enquanto um dialoga, estabelece consensos, convence, arbitra, o outro decide, impõe, define, manda. Enfim, pode dialogar, também (veja-se Guterres). Mas não basta ter sido um bom Primeiro-Ministro para vir a ser um bom Presidente da República.
Etiquetas: Rantas
6 ComentÁrios:
Concordo.
Nao partilho do mito do Cavaco bom Primeiro-Ministro. Se o Cavaco tivesse sido bom Primeiro-Ministro o país tinha evoluido, e nao evoluiu!Bom primeiro ministro é o Koizumi, os da Irelanda, a Thatcher... porque estes perceberam que eram preciso mandar às malvas uma data de preconceitos económicos e sociais para fazer o país mudar de rumo. O Cavaco manteve o barco no mesmo rumo, um pouco mais depressa talvez, mas nao mudou nada. Nao precebo muito de economia por isso confio no Rantas.
Só me espanta uma coisa! Oh Rantas tu que até és mais novo do que eu como é que tu te lembras dessas coisas todas?
Se o Mário Soares fôr eleito Presidente, evidentemento que aceito e respeito, não fico a resmungar entre-dentes. Ó Rantas, pareces destilar ódio ao Cavaco e Silva. Não vale a pena. Se não houver crises um bom Presidente é como um bom árbitro, ninguém repara que ele existe. O Cavaco não põe em causa a Democracia, e se ganhar há que respeitar a vontade popular. Civismo.
Posso não ter sido claro num ponto: não creio que exista qualquer risco para a democracia, ganhe quem ganhar estas eleições. Não é essa a luta, felizmente. Não acredito em golpes de estado, em derivas totalitárias, em revanchismos - como aliás tive a oportunidade de referir no post "Os Vampiros".
Quanto ao ódio: bem, Manolo, julgo que onde vês ódio, eu ponho entusiasmo. Por vezes, podem confundir-se (veja-se o caso do Petit, por exemplo), e se contribui para isso, peço desculpa.
Se o Cavaco ganhar não existe perigo para a democracia, de qualquer forma é melhor não passarmos pela experiência de o termos como Presidente da República, porque já chegou de cavaquismo durante mais de uma década.
POis é. Lá vamos ter de aguentar o moço do Algarve.
Há pior. Os americanos aguentam o Bush...
Saúdinha
Eu não afirmo que o Cavaco é mais rigoroso ou competente que o Soares. Mas os sinais não palpáveis que transmite são esses. Como sou obrigado (eticamente) a escolher o nosso próximo Presidente "forço-me" a votar em Cavaco, quase por exclusão de partes; aliás quase todos os comentários defendem a não-escolha excepto tu Rantas, por isso te saúdo
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