quinta-feira, agosto 04, 2005

Directo voraz

Já não vejo a RTP1 porque me angustia pensar que tudo aquilo é feito com o dinheiro dos meus impostos. Já não vejo a SIC porque tenho mais que fazer do que ver a deriva parola do herman josé, e não gosto de telenovelas. Já não vejo a TVI porque... bem, é preciso dizer alguma coisa?

Mas ainda vejo a 2:. Porque já teve 'Os Sopranos' e 'Sete Palmos de Terra', porque ainda passa documentários que me fazem exercitar as células cinzentas, porque ocasionalmente tem em cartaz um filme menos previsível, porque faz entrevistas, porque ainda não está contaminada pela publicidade comercial. Enfim, ainda vejo a 2: porque está a léguas de ser um canal de qualidade (e nunca se percebeu muito bem o que era aquela coisa da sociedade civil) mas, ainda assim, é do melhorzinho que temos em canal aberto.

E é por ver a 2: que esta semana pude apreciar um daqueles momentos televisivos que ilustra na perfeição os mecanismos de distribuição de informação que impera na generalidade dos orgãos de comunicação nacionais.

Estava a Alberta Marques Fernandes (que, por falar nisto, vocês não acham que está um bocado para o inchada?) a debitar palavreado sobre mais um qualquer caso político no telejornal (tempos férteis estes) quando interrompe a emissão para nos dar conta de que no longínquo canadá um avião da air france estava todo espatifado e a arder. E é aqui que a coisa ganha embalagem: então, excelentíssimos telespectadores, não é que temos uma imagem do avião a arder em tempo real?! Parem as notícias, esqueçam o Governo, as autárquicas e as presidenciais, deixem lá a caixa, a ota e o tgv, o país está a arder mas não faz mal, ó maria deixa lá o bacalhau, suspendam a respiração, que vamos já para o directo.

E toma lá desta. Sinal de uma câmara de vigilância, salta para um canal local, salta para a CNN, salta para a 2:, salta para o televisor lá de casa. Temos coisas a arder (do que até podia ser um chouriço, porque ao avião nem vê-lo), temos auto-estrada, temos carros, temos carros dos bombeiros, temos luzes de emergência, e o comentário de voz necessário e suficiente para se perceber a pertinência de tudo isto nas nossas vidas.

"A CNN está a dizer que o avião saiu da pista." (A sério? Olha, de facto não tinha percebido como é que ele ali tinha ido parar) "A SKYNEWS diz que havia 200 passageiros no avião." (Epá, 200 gajos é muita gente) "Isto é mesmo agora. Estas imagens são da CNN." (Claro, toda a gente sabe que a CNN é toda em directo) "O avião é da air france." (Pois, da air france que é mesmo aqui ao lado) "A CNN diz que havia muita gente no avião." (Ó lecas, então não, são 200) "Não se sabe ainda o que aconteceu." (Pois não) "Dizem que foi um raio. Há uma tempestade." (Ah, agora já percebo porque é que não se vê patavina) "Estamos a traduzir a CNN." (O costume, portanto) "A CNN diz que se salvaram 211 pessoas." (Oops. Espera lá. Salvaram-se mais gajos do que os que iam no avião? Ressuscitaram-se gajos? Havia malta a marmelar nas silvas ao lado da auto-estrada no meio da tempestade?) "Parece que há aqui um problema com o número de pessoas." (Não. A sério?!) "Esta informação não é fidedigna." (Então, porra!, porque é que a estão a transmitir seus palermas travestidos de jornalistas???)

Ao fim de 5 longos minutos de augústia - pelo acontecimento, pelas imagens, pela 2:, pelo estado da televisão - o airbus lá fez marcha-atrás da sala de estar.

"Mais tarde voltamos a esta notícia." (Sim... Eu sei...)

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