terça-feira, dezembro 13, 2005

Ainda o TGV

Voltamos ao TGV, agora com os detalhes hoje apresentados pelo ministro Mário Lino. Desta apresentação, uma nota chama desde logo a atenção: ainda a obra não começou e os custos já passaram dos inicialmente propalados 7,2 mil milhões para os 7,7 mil milhões de euros.
Assim, em poucos dias, sem nada que o explique, toma lá para a factura mais meio milhão.
Não quero ser um velho do Restelo. É óbvio que todo o País devia estar ligado por uma rede de alta velocidade. É ainda mais óbvio que devia haver uma ligação entre Lisboa e Porto e daqui para Vigo. Isto era o ideal, num país rico. Contribuia-se para a coesão, melhorava-se a circulação de pessoas e bens, num transporte "amigo do ambiente", criavam-se empregos, estimulava-se a economia (sobretudo a das obras públicas). Nesta perspectiva, creio que ninguém pode dizer "sou contra o TGV". Neste sentido, eu não sou contra o TGV, pelo contrário, sou a favor.
Mas...
Os recursos são escassos. São necessárias opções muito claras em relação aos investimentos para onde são canalizados os nossos impostos. E, sobretudo, não se deve estar a hipotecar, de forma grave e prolongada, a saúde financeira pública. É justamente isso que Sócrates e Mário Lino estão a fazer, ao prever um empréstimo para financiar este absurdo projecto.
Já aqui o disse: ligação Lisboa/Madrid - com o fundamental ramal a Sines, actualmente não previsto - sim. É necessário. E fica à volta dos 2,2 milhões de euros.
Agora, uma ligação Lisboa/Porto. Para quê? Bem sei que, se não for feita agora, se não se aproveitarem os actuais financiamentos da UE, talvez nunca se venha a fazer esta linha. E daí? Ela é mesmo um investimento fundamental e estratégico? Não a percebo assim. O dinheiro pode ser investido em outras coisas, mais fundamentais e estratégicas para o País. Por exemplo?
Desde logo, diminuição da carga fiscal suportada pelos portugueses. Devolver o dinheiro à sociedade, porque esse dinheiro nos faz muita falta e tratamos dele melhor que o Estado.
Dotar dos necessários equipamentos informáticos as Finanças e a Segurança Social, para que se controle melhor quem foge aos impostos e contribuições, não deixando prescrever dívidas.
Melhores equipamentos informáticos para os tribunais, perceber o que não funciona nesta área e dotá-la do que é necessário, para que a justiça portuguesa não seja algo que nos envergonha.
Criação de um fundo para pagar indemnizações aos funcionários públicos que não fazem nada, aliviando o peso da administração pública.
Investimento na simplificação da relação entre os cidadãos e o Estado, para que um processo de licenciamento de uma empresa, uma autorização de construção ou obras, etc, não demore meses, e meses, e meses...
Formação profissional (e séria, para que não se repitam as vergonhas do Fundo Social Europeu) dos trabalhadores portugueses pouco qualificados.
Adequação das universidades portuguesas aos padrões da "Declaração de Bolonha".
Investimento em equipamentos adequados e formação para os bombeiros, protecção civil e polícias.
Investimento na requalificação do caótico ordenamento territorial português. Demolir o que for necessário, não deixar erguer mais atentados - ainda que ao abrigo de "direitos adquiridos".
Investir na promoção de Portugal no exterior.
Investir na promoção da diversificação do modelo produtivo português, ainda muito assente na mão-de-obra barata.
Investir no apoio à internacionalização das empresas portuguesas e na captação de investimento estrangeiro.
Investir na produção cultural e na preservação da cultura e do património.
Investir nas relações privilegiadas com os países de língua portuguesa e na divulgação, promoção e incentivos ao ensino do português no mundo.
Esta não é, obviamente, uma lista exaustiva. Mas, se alguma destas coisas deixar de ser feita, ou for feita de forma deficiente, por falta de dinheiro, cada cêntimo gasto na ligação Lisboa/Porto é mal gasto, pois mais importante seria gastá-lo aqui.
Ainda vamos a tempo de travar esta loucura. Proponho manifestação. Quem adere?

3 ComentÁrios:

Blogger manolo disse...

Isto é quase um programa de Governo. Não discordo da ideia geral, mas há muitos investimentos que são excessivamente pesados e originam a opinião razoável que o dinheiro seria melhor gasto noutra qualquer tarefa. Mas a verdade é que isso nunca acontece. Lembra-me o Durão Barroso que não gastava 1 euro na Ota desde que houvesse crianças em lista de espera. Ideia louvável, mas na pratica nada resolve. Temos que investir sempre em toda a lista que indicaste. Não significa que também haja lugar para grandes investimentos que nunca são mais importante que as necessidades básicas que não estão satisfeitas. Basta nos lembrar dos grandes monumentos do passado; nessa altura as necessidades prementes eram concerteza outras, e no entanto...

13 dezembro, 2005 18:49  
Blogger Alex disse...

Aqui vai a minha opinião.
Julgo que Portugal deve integrar a rede europeia da alta velocidade sob pena de nos atrasarmos e ficarmos cada vez mais periféricos. É uma forma de incentivar a economia e torná-la mais competitiva e produtiva. Nomeadamente em relação ao turismo e ao comércio. É prioritária a linha Madrid-Lisboa. Já quanto à linha Lisboa-Porto concordo contigo, acho que é um disparate gastar quase 5 mil milhões de euros para ganharmos cerca de meia hora. Também concordo que não devemos endividar as gerações futuras.
E a linha seguinte em termos de prioridade é a linha Porto-Vigo. Esta opção pelo TGV não tem a ver com qualquer orgulho Português para não ficarmos de fora, mas tem a ver com o incentivo económico, com o aumento de competividade e de produtividade além de ficarmos com a tecnologia.
Parece-me, caro El Ranys, é que não puseste no outro prato da balança os custos de não integrarmos essa rede. É que são grandes custos.
Quanto a todos os sectores que necessitamos investir é óbvio que concordo. Assim como baixar os impostos. Mas para podermos fazer isso é necessário que a economia cresça. E o investimento no TGV faz crescer a economia.
Pronto, já arrotei a minha posta de pescada.
Saúdinha

13 dezembro, 2005 21:09  
Blogger El Ranys disse...

Adenda:
Face às últimas informações divulgadas pelo Ministério das Obras Públicas, o TGV permitirá encurtar a viagem de comboio entre Lisboa e o Porto em mais de uma hora, das actuais 2h50 para cerca de 1h40.
Isto, repare-se, porque apesar dos milhões investidos na linha do Norte, ainda não se tira o maior proveito do Alfa Pendular.
Cerca de uma hora a menos na viagem já é relevante e pode tornar o investimento menos absurdo. Mas não altera o essencial da minha visão sobre o projecto.
Jorge Coelho, ontem, na SIC-N, afirmou que se tratava de gastar os fundos que a UE tem à nossa disposição para construir o TGV.
Na sua visão, seria um erro não gastar o que já existe para ser gasto exclusivamente neste projecto. Mas isso é jogo floral. Porque a questão essencial é que aproveitar esses fundos obriga-nos também a gastar o dinheiro que não existe. E, se não existe, onde se vai buscar?

15 dezembro, 2005 18:10  

Enviar um comentário

<< Home